Podemos conviver com uma série de inconstâncias, com uma guerra de sensações internas.
Podemos experimentar a sensação de alma agonizante em diversos momentos da vida.
Podemos experimentar a morte em vida, neste paradoxo enlouquecedor. Mas sem esperança, quem vive? Quem vive sem certeza de dias melhores?
Podemos conviver com pessoas pelo simples exercício da educação e forçados pela obrigação, mas há a esperança lá no fundo de que existam por aí algumas pessoas amigas que poderão ajudar a nossa alma cansada a suportar melhor os maus dias, que teimam em surgir. Os amigos são frutos da esperança.
Podemos ter um dia difícil a ponto de desejar que não tivesse acontecido, mas uma breve prece é capaz de devolver algum calor à alma e ao coração. A prece é uma esperança.
A gente pode alimentar a certeza de que o amor é um roteiro avançado e que só bons atores podem passar o texto e encenar o espetáculo, mas descobre que é um sentido, como a respiração, é como água corrente, é como animal selvagem. A liberdade do amor é uma esperança.
A gente acha que as palavras são propriedade de pessoas letradas e percebe que palavras são manifestações livres de vida e que dependem muito mais de sentimentos do que de preocupação estética ou linguística. A palavra dita ou silenciada leva à esperança.
Posso conviver com o coração em pedaços. Posso suportar o cansaço do corpo depois de uma noite atormentada por pensamentos vivos. Posso suportar o gelo, o calor, o doce, o amargo, posso entender significados, desconhecer conhecidos, posso gritar em silêncio, posso até não poder realmente.
Posso perder o encanto de repente e momentaneamente com a vida, com as cores, posso perder a leveza, a mão, temporariamente o discernimento, posso ser facilmente levada pelo vento, posso chegar bem perto do despenhadeiro e quem sabe desabar e encontrar refúgio em algum pedaço de rocha relevante, talvez mais relevante do que meus últimos pensamentos.
Posso pensar que a vida é mesmo muito louca e que a injustiça é um juiz insano, que reina, que teima, que sempre vence… eu posso de repente me esquecer do milagre da minha existência…
Talvez eu me esqueça meu Deus de lhe fazer a minha prece cotidiana, talvez eu não consiga lhe expressar meus temores, talvez eu não consiga lhe expressar a minha fé tão viva quanto é, ou, talvez a minha fé se abale em algum momento por grandes tempestades.
Talvez eu morra, sim, eu posso morrer mesmo sem sentir enquanto vivo e existo. Eu posso caminhar no grande umbral que é este mundo e me esquecer… de tudo.
Depois de consumida a minha pele, em minha carne verei a Deus ─ disse um servo.
Eu poderia viver sem qualquer coisa, até sem aquilo que considero essencial (pois já tenho sido provada), mas sem esperança, seria impossível, sem esse fôlego seria impossível.
É preciso criar forças, é preciso respirar com fé, é preciso desamarrar a alma das misérias, porque ora, como somos errados e podres!
Poderia até mesmo morrer, neste exato instante, e de alguma forma, a esperança permaneceria em mim viva, em algum lugar, com a mesma devoção.
Posso conviver com a secura dos concretos tórridos, mas não poderia caminhar sobre eles sem a esperança de surpresas de vida. É preciso louvar a existência, os rumos desajeitados da vida e brindar com goles de fé.
Texto escrito para o blog Barasa Plutônica