Talvez um ou outro poema de Florbela Espanca já tenha passado por sua vida, já tenha traduzido algumas de suas ações passionais ou lhe feito desaguar aquilo que estava entalado na alma.
Essa é uma das mais importantes poetas do mundo. Nasceu em Viçosa, Portugal, no dia 8 de dezembro de 1894 e morreu aos 36 anos, em Matosinhos, no seu aniversário, em 1930.
Seu nome de batismo é Flor Bela Lobo, mas optou por ser chamada de Florbela d’Alma da Conceição Espanca. A vida de Florbela foi marcada por sofrimento, frustrações e tragédia e a poeta soube sublimar todas as dores em poesia de alta qualidade e profundidade de sentimentos.
Foi uma das mulheres que mais se entregou à escrita sobre o amor, ou seria paixão?
Aos oito anos de idade escreveu a sua primeira poesia. Passou por três casamentos frustrados, abortos, além de histórias de amor conturbadas. Se considerou infeliz em todas as suas experiências amorosas.
Poesia de Florbela Espanca – entre a tradição e a contemporaneidade
Florbela era considerada contemporânea no primeiro Modernismo ao mesmo tempo em que era adepta à métrica do soneto pertencente ao Neoclassicismo.
Foi uma das primeiras mulheres a abordar questões em torno do corpo e da sexualidade feminina. Era uma mulher que vivia efusivamente as suas emoções e seus amores proibidos. Os versos de Florbela eram repletos de melancolia, dor, sofrimento, solidão. Eram versos atrelados à busca pela felicidade.
O narcisismo, erotismo e saudosismo, eram ingredientes de sua escrita. Em sua geração, a poeta chegou a ser criticada por muitos autores, porque seus versos falavam sobre si, porque ela não utilizava a sua escrita como ferramenta para denunciar problemas da sociedade na época. Diante das críticas, a poeta apenas afirmava: escrevo sobre mim, porque é uma maneira de me conhecer.
Na década de 1920, a poeta passou por muitas críticas, principalmente por defender que mulheres deveriam ter os mesmos direitos que os homens.
Em vida, foram publicadas as antologias Livro de Mágoas (1919) e Livro de Sóror Saudade (1923). As obras Charneca em Flor (1931), Juvenília (1931) e Reliquiae (1934), como demonstra a data, só foram publicadas após a sua morte.
A coletânea Sonetos Completos (1934) reunia (Livro de Mágoas, Livro de Sóror Saudade, Charneca em Flor e Reliquiae).
Dentre as prosas, estão: As Máscaras do Destino (1931), Diário do Último Ano (1981), O Dominó Preto (1982). Também foram publicadas coletâneas e cartas escritas pela autora.
O livro de prosa As Máscaras do Destino foi dedicado ao irmão, que morreu de maneira trágica em um acidente de avião.
Alguns poemas de Florbela Espanca
A Minha Dor
A minha Dor é um convento ideal
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.
Os sinos têm dobres de agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal…
E todos têm sons de funeral
Ao bater horas, no correr dos dias…
A minha Dor é um convento. Há lírios
Dum roxo macerado de martírios,
Tão belos como nunca os viu alguém!
Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro,
E ninguém ouve … ninguém vê … ninguém …
Vulcões
Tudo é frio e gelado. O gume dum punhal
Não tem a lividez sinistra da montanha
Quando a noite a inunda dum manto sem igual
De neve branca e fria onde o luar se banha.
No entanto que fogo, que lavas, a montanha
Oculta no seu seio de lividez fatal!
Tudo é quente lá dentro…e que paixão tamanha
A fria neve envolve em seu vestido ideal!
No gelo da indiferença ocultam-se as paixões
Como no gelo frio do cume da montanha
Se oculta a lava quente do seio dos vulcões…
Assim quando eu te falo alegre, friamente,
Sem um tremor de voz, mal sabes tu que estranha
Paixão palpita e ruge em mim doida e fremente!
Amar!
Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: aqui… além…
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente…
Amar! Amar! E não amar ninguém!
Recordar? Esquecer? Indiferente!…
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!
Há uma primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!
E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder… pra me encontrar…
Fanatismo
Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te ver.
Não és sequer razão do meu viver
Pois que tu és já toda a minha vida!
Não vejo nada assim enlouquecida…
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!…
“Tudo no mundo é frágil, tudo passa…
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!
E, olhos postos em ti, digo de rastros:
“Ah! podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: princípio e fim!…”
Fumo
Longe de ti são ermos os caminhos.
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!
Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas…
Abertos, sonham mãos cariciosas,
Tuas mãos doces, plenas de carinhos!
Os dias são outonos: choram… choram…
Há crisântemos roxos que descoram…
Há murmúrios dolentes de segredos…
Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos!…
Perseguição ao animal indomável
Eu, pobre mortal, defino a obra da poeta portuguesa como perseguição ao animal indomável: amor. E talvez nessa caça, ela tenha se aproximado, cada vez mais, cada vez mais, de algo parecido, paliativo ao que era o grande e colossal corpo de algo invisível, aromático e inebriante.
Seus versos ajudam a desentalar o peito, traduzem alguns sentimentos, trazem à tona as palavras que não se poderia formular na mente, no papel, em qualquer espaço entre rabiscos nos muros das grandes cidades.
Florbela se matou aos 36 anos de idade, resultado de uma overdose de medicamento para ajudar na insônia. No auge de sua escrita, no auge de sua força criativa, ela se foi, tomada por emoções, por dores, por frustrações e de um jeito muito mágico, se transformou naquilo que ela tanto perseguia, sem sucesso: no silêncio do amor.