Você já se pegou se cobrando sobre produtividade? Já se sentiu culpado por simplesmente descansar? Eu já e muitas vezes.
Nas duas raras vezes em que matei aula na escola, minhas amigas decidiram que nunca mais iam me chamar, porque eu me sentia culpada e pensava naquilo que poderia estar perdendo e isso não as deixava matar aula em paz. E matar aula era literalmente fugir das tarefas. Claro que não estou dizendo que isso é louvável, mas era uma fuga da realidade possível aos adolescentes em um momento de expressar a liberdade de quebrar com uma disciplina de segunda a sexta.
Lembro de já ter ouvido uma professora dizer que tínhamos o momento de ir ao banheiro e as regras de horários para que nos acostumássemos com o mercado de trabalho. Nas aulas de História, eu via que a escravidão era algo ainda presente na nossa cultura brasileira, por essa mentalidade repassada de que tínhamos que nos adequar a um sistema, para sermos aceitos ou para simplesmente sermos toleráveis.
Mas voltando à cobrança de produtividade… Tenho sentido isso muito mais presente de uns tempos para cá. Essa cobrança de alta performance em diferentes segmentos da vida tem deixado as pessoas ‘altamente’ focadas em controlar o próprio tempo, em produzir o máximo em determinado tempo.
E você encontra dicas de produtividade, autores que ensinam sobre o gerenciamento do próprio tempo (o que acho um conteúdo interessante), mas a dinâmica atual de vida nos leva a colocar a nossa produtividade no trabalho em mais de cinquenta por cento em nossa meta de sermos mais eficientes em nossa rotina.
Um discurso que unifica comportamentos doentios
E aí vemos que pessoas focadas precisam acordar antes do sol nascer, trabalhar com o máximo de foco e depois ainda ter tempo para treinar pesado, antes é claro, de ter tomado um desses suplementos com a finalidade de: aumentar a performance.
E nesse discurso da alta performance, percebo que podemos nos sufocar, ao menos me faz pensar no que estou fazendo da vida e como tenho levado a minha rotina.
Qualquer comportamento mais ansioso se justifica pelo discurso da alta performance. É preciso fazer mais e mais e mais e “render”.
E aí perdemos as sutilezas da vida. Com essa certeza de que estamos controlando o nosso próprio tempo, na verdade estamos sendo controlados por uma doutrina que diz que precisamos ir sempre além. Mas a questão é: mesmo que eu possa, é isso que eu quero? Essa é a minha meta de vida?
Às vezes, infelizmente vamos a velórios e consideramos por pouco tempo sobre a brevidade da vida e de que devemos aproveitar mais os momentos, mas passadas algumas horas, estamos nos perdendo de nós mesmos pensando naquilo que podemos fazer melhor para melhores resultados, para… quê?
Para que ser tão eficiente e perder a própria vida?
Eu tenho pensado: de que adianta essa busca por eficiência se estou perdendo minha vida? De que vale alcançar metas diárias e estar muito longe da meta mais importante que é descobrir a cada dia quem sou e ser quem realmente sou?
Por que eu me sinto culpada se paro tudo o que estou fazendo e vou ler um livro ou ver um episódio de alguma série que gosto?
Por que me sinto culpada quando percebo que poderia realizar alguma tarefa imediatamente mas escolho fazer uma, duas horas depois? É porque esse discurso de ser eficiente é uma orquestra tão alta tocando na minha cultura que tem me feito surda para a doçura do som das pequenas sutilezas da vida.
Eu ainda vou ao supermercado, não consegui me render totalmente à facilidade das compras virtuais, por que gosto de ficar em filas, mesmo dizendo que odeio. Gosto de em algum momento me irritar com alguém que está jogando o meu carrinho para o lado sem o menor respeito e de ficar mais de dez segundos tentando abrir aqueles sacos na área de hortifruti. Eu ainda gosto das sutilezas e de “perder o meu tempo”, então por que preciso ouvir esse discurso de alta performance e segui-lo como se fosse uma religião?
Minha saúde mental precisa ser mais importante do que as “entregas”
Há uma semana em uma reunião com uma grande CEO, guardei a frase dela: às vezes precisamos nos permitir ser menos eficientes.
De que vale todo o estresse, toda a irritabilidade, discussões idiotas quando a sua saúde mental se perde? De que adianta fazer entregas que te custem ter que ir pagar uma conta de duzentos reais ou mais em psicotrópicos?
Cara, permita-se ser leve e, aprender isso nessa realidade atual é como aprender a andar pela primeira vez.
A vulnerabilidade é a maior das qualidades humanas
Em uma apresentação na faculdade há alguns anos, usei um trecho do livro de Eclesiastes da Bíblia, que tudo indica ter sido escrito por Salomão, conhecido como um dos homens mais sábios que já existiu sobre a Terra, por que quando questionado por Deus sobre o que ele desejava, não pediu nada material, mas sabedoria para que pudesse ser um bom rei para Israel:
Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as suas forças, porque na sepultura, para onde tu vais, não há obra, nem projeto, nem conhecimento, nem sabedoria alguma.
O que eu quero é compartilhar com você essa experiência pessoal de focar em viver o presente que é a vida. Não quero esperar quando for o tempo, ou depois de ter feito todas as tarefas, aliás, a tarefa mais importante tem sido praticar com muita maestria o fazer nada, de ter dias altamente improdutivos para o trabalho, mas de mais contato comigo mesma, sem ter obrigação de nada, mas talvez ter algum compromisso com a própria vida, enquanto ela acontece.
Não quero a alta performance, quero justamente o oposto, a vulnerabilidade que me leva para mais perto das razões pelas quais existo.