Assumir a responsabilidade. Acredito que essa foi a principal percepção que tive há alguns anos e que foi levando tempo para ser incorporada à minha rotina e consciência, nessa transição para o ser mulher. E quando escrevo sobre ser mulher, estou literalmente trazendo a reflexão sobre o deixar de ser menina (o comportamento infantil) para assumir as responsabilidades (como mulher).
Durante boa parte da minha vida agi de forma impulsiva, pedante e até mesmo egoísta. Queria que as pessoas assumissem papéis (estabelecidos por mim) em minha vida e não estava muito preocupada com quem realmente elas eram, porém esse comportamento era todo mascarado, por muito tempo não percebia isso em mim, não me via dessa forma, pelo contrário, terceirizava a responsabilidade, porque uma criança não pode cuidar de si mesma, não tem essa autonomia ainda.
E esse “lance de ser mulher” é bem complexo, porque não aprendemos isso em livros, em filmes, séries e muitas vezes nem em divãs, é uma questão de escolha, de decidir por algo, o que não é confortável, poético ou fácil.
Agir de forma adulta não é dizer por aí que você é independente porque paga as suas contas e cuida da própria vida, aliás, você pode ter todas as coisas materiais que te garantam conforto e isso não quer dizer que você cuide da própria vida. Se você não está crescendo, se o seu interior não está gritando e não está se contorcendo dentro de você, se você não está clamando de algum lugar aí de dentro da sua consciência, tudo o que você está fazendo é tendo uma vida vegetativa.
Esse lance de ser mulher envolve rejeitar anestésicos, você sente a dor, você não camufla as feridas que estão ardendo com esparadrapos, você sente, porque a cura é justamente o dia após dia, o processo.
O amadurecimento é uma escolha, é um salto de coragem. No meu último livro a personagem passava por uma crise em que literalmente precisava saltar de uma dimensão a outra, mas entre as duas, havia um abismo e, por conta disso, ela resistia a esse salto com o medo de cair e desaparecer. É como literalmente perder o medo do abismo, você opta por saltar, sem se preocupar mais com a sua “integridade” porque ela já não existe mais e é justamente por isso que os saltos de coragem são tão preciosos. E a percepção mais assustadora é a de que o medo de cair e desaparecer é uma grande idiotice porque a vida já está no abismo. E quando você submergirá?
Algo muito insano desse lance de ser mulher é que o esforço para submergir do abismo é um passo inicial para que depois você consiga mergulhar nas profundidades do ser quem você é. Primeiro você encara a sua dor, depois você para de terceirizar as suas decisões e assume a responsabilidade para você e, então, você emerge do abismo e começa a mergulhar em ser você mesma.
Você se deixa morrer completamente, você permite que toda a sua descarga de energia vá até o zero, depois disso, os batimentos voltam surpreendentemente a 15, 25, 60, 80… seu coração volta a pulsar, sua consciência volta a pulsar, seus sonhos voltam a pulsar, sua feminilidade volta a pulsar.
E em algum momento você compreende que a menina não precisa ir embora para sempre, ela pode permanecer, mas agora você é a adulta da história e precisa colocar alguns limites nessa pequena criança. Ela pode pular, pode sonhar, pode brilhar os olhinhos com surpresa, pode ter algumas coisas que ela sempre quis ter, ela pode brincar com o seu cabelo, pode rir por meio de você, pode tentar ser você usando as suas roupas e os seus sapatos, mas quando ela quiser sentar na cadeira de comando você diz: não, meu bem, aqui só quem é mulher senta, mas eu te deixo ficar do meu lado para me ajudar a comandar essa pequena engrenagem aqui, porque aqui você vem comigo, é quando sonhamos juntas e nos unimos, aqui é quando sou o que você sonhou e você é parte minha que sempre vou abraçar.
Esse lance de ser mulher é a parte amarga e doce que coexiste, mas a boa notícia é que em algum momento o seu paladar se acostumará com esse novo sabor.